sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sonhos


Tenho-me perguntado, porque tanto me apetece escrever, o que tanto me apetece escrever. Afinal, também o poder criativo se esgota. O que não se esgota é a capacidade de sonhar. Porque a escrita nem sempre espelha tudo aquilo que somos, mas sempre mostra o que somos capazes de ser. Esta verdade vale para os sonhos, não aqueles que sonhamos acordados, mas os que nos assaltam durante a noite, aqueles que vêm não se sabe de onde, nem porquê, que não nos pedem permissão para ganhar expressão, apenas sentimos na pele, as marcas que deixam em nós ao acordar. Curiosamente, esta verdade vale, também, para os sonhos que sonhamos acordados, e esses vivemo-los, se não com a alma, totalmente com o corpo. Esforço-me por perceber quais são os mais difíceis de deixar, se os reais ou os fictícios, se aqueles que “escolhemos” ou os que nos escolhem. Temos, também, os pesadelos, mas em relação a estes, é fácil, acordamos, limpamos o suor e a lágrima, e esquecemos. E que bem que nos sabe aquele acordar.

Mas e os sonhos? Estes fazem-me lembrar o sentimento que se apodera de mim todas primaveras, a ansiedade e a excitação da antecipação do Verão. Vivem-se nove meses do ano a sonhar com Ele. No Outono, “agarramo-nos” à chegada do Natal e do Ano Novo, aquela partilha do sentimento de família, e a regeneração de uma nova vida, que nos espera para lá da meia noite do ano velho. Os primeiros meses do ano são vividos com a expectativa da concretização de tudo o que ficou por realizar nos anos passados, este “tudo” que por vezes se altera, outra vezes, nem tanto (muda de cor, mas o cheiro...). Passados esses meses, chega o “primeiro sol do ano”, aquele que está mais perto de nós do que em qualquer outra altura do ano, mas que, ainda assim, nos aquece, mas pouco. E depois... Vem o Verão. E assim que Ele chega, invade-me aquela triste sensação do “sonho terminado”. Chegamos lentamente ao fim de mais um ciclo, caminhamos, passo a passo, para o virar de mais uma página. E assim, vão passando os dias, as semanas, os meses e, sem darmos por isso, os anos. É a procura constante do que está para vir.

Com os sonhos é um pouco mais grave, porque na maioria das vezes, sonhamos com o que não conhecemos, com o que nunca experienciámos, apenas sonhámos. E aquilo que sonhamos, reflecte o que Nós somos, não o que é, efectivamente, o objecto sonhado. Dai que corramos o sério risco de “perder tempo” a sonhar com aquilo que não nos convém, ou aquilo que, na verdade, não queremos. Ou, simplesmente, aquilo que não sonha connosco. A razão que nos leva a não percebê-lo, é porque vivemos, e continuamos a viver, num “passado-presente”, permanecemos inertes naquele momento de antecipação. E este, aliado à incerteza típica do desconhecido que, por si só, nos enche de adrenalina e nos faz vibrar, e apesar de toda a dor que nos possa causar, é do melhor que a vida tem para oferecer, porque nos permite viver uma realidade bela, ainda que ilusória, breve, ainda que fique para sempre, e só nossa, ainda que, dentro de nós, caiba o mundo.

Por vezes, também nos acontece descobrir e perceber o que queremos, porque o sonhámos. E é esta excepção, que me “faz fazer” do sonho, uma regra.

Tudo vale pela experiência que a vida nos dá.
Até o sonho que nunca passa disso mesmo.

3 comentários:

Vasco Ribeiro disse...

O sonho comanda a vida, mas penso que os sonhos, e "falo" dos sonhos bons, faz-nos sentir bem, felizes, capazes e por vezes... apaixonados por alguém, por uma situação ou por um momento. E... é tão bom. Concordo plenamente com o que escreves; "aquilo que sonhamos, reflecte o que Nós somos(...)". Nem mais nem menos. Eu sonho com muita coisa, acordado ou a dormir. Sonho com tudo e com todos, e isso faz-me sentir bem porque gosto dos sonhos como eles são, pois refletem a minha paixão pelas pessoas e pela minha vida que tanto ... amo.
sonho não passa de um "sumo" cheio de imagens, sons e cheiros.
Aquele abraço.

p.s - Continua a escrever. Eu adoro!

Unknown disse...

Mais um texto muito bom, miúda. Daqueles para ler e reler. Que foi exactamente aquilo que fiz.

Não concordo muito com o “Porque a escrita nem sempre espelha tudo aquilo que somos, mas sempre mostra o que somos capazes de ser”. Mas apenas porque considero a escrita um dom. E quem o tem, geralmente consegue manipular as palavras e ser aquilo que bem quiser. E quem o não tem, as palavras ficarão sempre aquém daquilo que é, e principalmente muito aquém das suas verdadeiras potencialidades.

Mas tens, na minha opinião, total razão qdo dizes que temos o hábito de “sonhar com aquilo que não nos convém, ou aquilo que, na verdade, não queremos”.
Sempre considerei que a verdadeira magia do sonho é a própria capacidade de sonhar, a luta para pôr o sonho em prática e não o sonho em si. Este muitas vezes acaba por se desvanecer ou pior, desiludir-nos.

Quanto a mim, enquanto tiver capacidade para sonhar, sei que tenho a capacidade para ser feliz....

beijinhos

Cheila C.C.C. disse...

Vasco,
É verdade que o sonho comanda a vida (já dizia o poeta), mas também é verdade que na maioria das vezes caminhamos pela estrada que passa exactamente ao seu lado.

Não imaginas a sorte que tens por seres tão "fácil sonhador". Mas a tua maior sorte é amares a vida que tens. Se soubesses o quão raro é senti-lo. Poucas pessoas podem afirmá-lo. E muitas fazem-no, mas mentem.

Patrícia,
Tenho de concordar contigo quando dizes que "quem tem o dom da escrita consegue manipular as palavras e ser aquilo que bem quiser". Não poderia ser mais verdadeiro.

Apenas acrescentaria que quem tem esse dom, também consegue fazer os outros acreditar naquilo que bem quiser. Até mesmo numa grande mentira.

Beijos